alcateia #25, como assassinar sua vida?
O caminho da sobriedade de Cat Marnell e por que as pessoas mais legais que ela conhece também estão em recuperação.
Cat Marnell é a princesa e a bruxa má da própria história. Bem nascida - com isso quero dizer que a conta bancária do papai e da mamãe nunca foram um problema - ela passou por veículos como Vanity Fair, Teen Vogue, Glamour, Lucky, xoJane, VICE. Até abandonar tudo por um amor abusivo e não correspondido: a anfetamina.
A primeira vez que li um texto da Cat Marnell foi em 2012. Drogadinha, loira, insone e deprimida, não teve como não me identificar (eu sei, eu sei, minha vida não era das melhores no começo da década passada). Mas, mais que isso, ela é é inteligente, com um senso de humor afiado e capaz de falar sobre beleza e cosméticos como ninguém.
Em 2017, com 34 anos, ela lançou seu livro de memórias, How to murder your life, que eu morro de vontade de traduzir (editoras me chamem!!!!!) e que mergulha fundo no mundo de viagens de primeira classe e festas VIP com crack, heroína ou anfetamina na sua Lanvin de três mil dólares (!!!!!). Lá, admite que é fácil olhar pra trás e perceber que era viciada em drogas - e, como tal, egoísta, injusta, mentirosa e manipuladora. Não dá pra fugir do estereótipo. Mas, uma década antes, no meio dos seus 20 e poucos, ela se via completamente perdida e sem nenhuma perspectiva do que estava acontecendo. Morreu e reviveu várias vezes, se reinventando depois de diversas passadas por reabilitações e internações psiquiátricas, sempre recaindo.
Em tudo Cat Marnell é diferente. No tom sincero, cru, e cheio de piadas controversas que inundavam suas reportagens para os veículos em que trabalhou. Na forma de lidar com assuntos pesados - ela queria que o livro tivesse a voz de uma coluna de fofocas de celebridade. E na forma de lidar com as fraquezas: ela expõe, à flor da pele, tudo aquilo que tanta gente esconderia assustada. Ela sabe que o silêncio é poderoso, assim como sabe usar a sociedade do espetáculo a seu favor.
Cat Marnell descreve a própria história como uma guerra constante entre seu vício e sua ambição, em que, infelizmente, na maior parte das vezes o vício saiu ganhando. Em versão rapidinha: começou com Ritalina na adolescência e escalou pra remédios mais fortes, como Venvanse e Adderall (medicamento à base de anfetamina que não é vendido no Brasil). Cocaína era a cerejinha do bolo em dias de festas, e logo crack e heroína passaram a fazer parte da rotina social. PCP foi amor à primeira viagem. E depois, sozinha, insone, mergulhou em Ambien e benzodiazepínicos como Xanax pra poder dormir. Mas aquele arco sempre presente em memórias sobre vício de recaída-recuperação não acontece aqui. Ela termina o livro com uma caixa de Adderall na mesa, longe do NA. Usando de forma controlada, sob o risco de tudo explodir de novo, e sabendo muito bem disso.
Do fim do livro até agora, ela já perdeu o cabelo (e pensar que quando ela falou que seria a Britney careca do mundo literário isso nem tinha acontecido…), prometeu um novo livro, entrou pro NA, e abriu um Patreon em que fala sobre viagens, arte, solidão, impulsos de morte e… bom, os melhores achadinhos do mundo da beleza ao redor do mundo. Também é importante, né?
No fim do mais recente texto da sua newsletter, ela comemora 7 meses de sobriedade total, 6 anos depois do lançamento do livro, e conta que quer continuar abstêmia de drogas e álcool: “Minha nova vida tá dando certo. Não vem me perguntar como eu sei disso. Eu ando tão entediada, tão vazia, tão cansada. Eu até tava chorando um pouco antes de começar a escrever aqui. Mas sei que quero manter o compromisso com a sobriedade.” (Eu também, Cat.)
Então sinto um quentinho no coração quando leio: “As pessoas mais legais que eu conheço também estão em recuperação.”
Ufa.
E você, está em recuperação do quê?
Se eu não fosse bem mais velha certamente pensaria "quero ser como ela quando crescer". Que brilhante capacidade em traduzir o espírito de uma época 👏🏼 assinante e fã
leio esse texto com uma certa dor no coração. estou me tratando para a depressão maior, e hoje minha psicologa refletiu que eu e a dor da doença já somos uma só. Isso é claro, com os sintomas que eu não sei onde acabam e onde terminam. é meu jeito de assassinar minha vida: sempre depender de remedios e nao enxergar o pós deles. mulheres como a do texto são meu reflexo, de forma mais ferradas, infelizmente. quero me libertar tbm...só não sei como, nem quando.