alcateia #35, o peso e a delícia do diagnóstico
Ser diagnosticada e ter a dor validada por profissionais da medicina: gostoso demais.
Ser diagnosticada e ter a dor validada por profissionais da medicina: gostoso demais.
Para alguém com problemas complexos e indefinidos, especialmente para quem tem o perfil curioso e controlador (risos mas também lágrimas), receber um diagnóstico na mão é motivo de paz. É claro que vivi sofrimentos indescritíveis psicológicos, é óbvio que fui suicida, é óbvio que tive problema com substâncias psicoativas: eu sou bipolar. É claro que tive câncer atrás de câncer: tem uma síndrome genética por trás. E é óbvio que vivi com dores intensas, fadiga crônica e mais uma miríade de sintomas debilitantes: eu tenho a síndrome de Ehlers-Danlos. Não é minha culpa. É só meus genes. Ufa!
Esperei por esse diagnóstico de Ehlers-Danos com ansiedade. Explicaria tantos sintomas: do olho seco aos hematomas frequentes, da hiperelasticidade aos deslocamentos constantes de mandíbula, quadril e joelho, dos problemas nas mãos, estômago e intestino à pele translúcida, da frequência de pré-síncope ao levantar ou fazer qualquer esforço à náusea quase diária, da hipersensibilidade a toque, sons e luz às lesões constantes ao fazer qualquer atividade física, da insônia às dores crônicas intensas, e… do possível risco de aneurisma à redução da expectativa de vida caso o meu tipo seja o mais grave (painel genético sem resultados ainda). (E essa síndrome não é a mesma síndrome do câncer, e também não tem a ver com a hereditariedade do transtorno bipolar, vejam que eu perdi na loteria genética.)
A suspeita de Ehlers-Danlos no lugar da fibromialgia surgiu quando minha mãe, médica, fazia uma revisão bibliográfica dessa doença rara. Mergulhei no Medscape, na Sociedade Internacional, nos artigos científicos e… no TikTok. A plataforma, afinal, é campeã de testes zero eficazes que diagnosticam qualquer problema de saúde.
De onde vem nossa sede por diagnósticos? Por tanto tempo invalidados no nosso sofrimento, é claro que as gerações mais novas encontram consolo em diagnósticos que não só provam e explicam o problema como oferecem opções mais acertadas de tratamento. E, afinal, são as gerações mais novas que podem aproveitar os avanços científicos e tecnológicos que permitem esse fenômeno. Mas por que a busca de recursos é feita nas redes sociais? Seria um indício da falha do sistema de saúde, especialmente em terras norte-americanas? Seria uma prova do quanto transtornos mentais não são levados a sério? Seria a necessidade de alguns profissionais de se manter detentor do saber (e do poder), levando ao despreparo na hora de ensinar e permitir que o paciente se aproprie da própria condição? Seria uma sede por entender, pelo amor de deus, o que está acontecendo com a gente?
Segundo uma matéria no The New York Times, essas descobertas podem tanto criar a motivação de fazer o próximo passo e buscar tratamento quanto trazer um diagnóstico incorreto. Afinal, esses são recursos que não passam por filtros científicos e às vezes nem são feitos por profissionais. Mas há uma ânsia por parte dos possíveis pacientes. Talvez o autodiagnóstico exista no mesmo espaço do aumento das buscas por astrologia, porque ambos trariam respostas a angústias cada vez mais comuns.
Enquanto existem ativistas anti-redes sociais, eu sou uma ativista contra esses ativistas (mas essa é uma história para outro texto, e para quando eu finalmente terminar de ler A máquina do caos.) Existe uma comunidade de suporte e acolhimento nesses momentos, o que não quer dizer que a gente não deva criticar os vídeos de “10 sinais que você tem TDAH” (que, na maioria das vezes, apresentam apenas sinais de que você está sobrecarregada e inserida no mundo capitalista).
A jornalista de cultura e tecnologia Taylor Lorenz, cujo livro Extremely Online também estou lendo, explica que o TikTok é uma das poucas plataformas em que a nova geração se permite compartilhar desafios e se mostrar vulnerável. “Aqui é a vida de alguém que sofre com TDAH e falando como pode lidar. É muito pessoal”, ela explica. “Muita gente vem pro TikTok para tentar entender o que há de errado com eles.”
Um estudo publicado há dois anos analisou 100 vídeos com mais de 1 bilhão de visualizações na plataforma e que fossem marcados pela hashtag #mentalhealth. “Mostrou que adolescentes vão para o TikTok buscando por suporte, e os conselhos são muito explorados nas conversas entre usuários.” A prevalência de conteúdos sobre experiências pessoais e conselhos é facilmente explicada pelo sentimento de solidão que acompanha o diagnóstico. Pessoalmente, o suporte veio do Tumblr, do YouTube, dos blogs, das redes sociais. Foi o universo online que me acolheu (deus é bom o tempo todo).
Falar sobre bipolaridade ou câncer é fácil, com a profundidade das pesquisas e das evidências científicas que surgem com décadas e décadas de estudos. Quando são questões novas no palco, o cenário muda. Quando falamos de Ehlers-Danlos, foi no século passado que a constelação de sintomas foi organizada e percebida com uma única doença. E só em 1949 foi rotulada como uma síndrome baseada em genes autossômicos dominantes. Estamos falando de pouco mais de 100 anos desde seu reconhecimento e sua conceituação, e menos ainda de pesquisa. A diferença em relação ao câncer, minha outra principal doença, por exemplo, é gigantesca: autópsias para diagnóstico eram realizadas já em 1761. Hoje, temos classificações bem estabelecidas de dezenas de apresentações, estadiamentos, tratamentos, tipos celulares, tudo em profundidade.
Claro, o câncer é uma doença que vai atravessar a vida de todos nós em um ou outro momento. O que é distante de uma síndrome genética rara, em que muito menos pessoas são atingidas. Faz sentido que haja menos pesquisas científicas, faz sentido que não tenhamos todas as tecnologias de investigação e muito menos as respostas. Mas, nesse caso, para onde vai a sede de conhecimento? Com doze anos, imprimi o protocolo quimioterápico para entender tudo que seria feito no meu corpo. Meu consolo é ter controle através da apropriação das evoluções científicas. Só que, quando tudo isso está sendo construído nesse momento exato, para onde vai essa muleta psicológica?
Em Grey’s Anatomy, Meredith hesitou antes de fazer os testes de Alzheimer. Em House, foi a vez de Thirteen e Huntington’s. Para mim, só existia a sede de entender um pouco mais dos segredos do meu corpo. No fim, o estágio do conhecimento médico dessa síndrome comprometeu a compreensão. E, abandonada pela medicina, também me senti sozinha.
(Minha mãe achou esse final péssimo e dramático, e vocês? Se vocês concordam não me falem!!!!!!)
E você, já teve um diagnóstico curioso, inusitado ou assustador?
Tenho que concordar, receber um diagnóstico de certa forma é bom, porque você sabe o motivo, a razão daquilo. Isso facilita ou não a resto do trajeto. Já tive situações que eu só queria receber um diagnóstico para acabar com a agonia da hipótese, não recebi o diagnóstico, tive que aprender a lidar com o que eu achava que era um grande problema. Obrigada pelas palavras
Que alívio deve ser, o diagnóstico. Força pra lidar com o seu.
Também me angustia saber o que fazer com ele. Mesmo que o que fazer seja restritivo demais, ou sei lá, vago demais. É o que sinto com a autoimune, até hoje não consegui cortar algumas coisas, porque como não sei exatamente o que faz mal, teria que cortar tanto que nem sei se toparia. Já tenho um diagnóstico, mas ele não contempla os sintomas intestinais, muito menos os de hipermobilidade e dores nas articulações. Até fico "engatilhada" de ler sobre hipermobilidade, por exemplo. hehe Mas é isso, na busca dos diagnósticos, passo correndo a descrição e já procuro o que eu teria que mudar se o diagnóstico fosse esse. Então acabo encontrando mais fontes de ansiedade do que consolo, nessas buscas.