alcateia #13, por que odiamos #publi #ad #branded?
Como consumidores do conteúdo de um influenciador, não seria legal comentar, curtir e interagir com posts publicitários como forma de permitir a longevidade desse creator?
Pagar ou não pagar, eis a questão… do conteúdo patrocinado. Não é a primeira vez que falo sobre isso na internet - em 2018 escrevi para a CartaCapital após uma polêmica envolvendo a moralidade de publicidade no mercado cultural. Na época, a crise do mundo editorial viu a demissão em massa da Editora Abril, que teve a recuperação judicial no valor de 1.6 bilhão aceita, e a inadimplência da Saraiva que, na época, representava a maior fatia do mercado. A conversa era sobre pagar influenciadores do meio literário para conteúdos no YouTube, blogs, e às vezes Instagram. Com a chegada bombástica do TikTok, tudo fica mais explosivo. Mas ok, quando falamos de influenciadores, as principais críticas são:
1) por que eles merecem ganhar dinheiro?
Vimos um pouco disso no primeiro texto dessa série na newsletter, alcateia #10 quanto vale um influenciador?, mas existe ainda um outro ponto que é ainda mais delicado quando se fala de cultura. Há a empáfia de se exigir uma dedicação e um trabalho de forma gratuita. Se a democracia da internet quebra o elitismo da intelligentsia brasileira, há anos sustentada por dinheiro antigo, é natural que o famoso “fazer por amor”, pela vocação de se falar de cultura, também seja parte do que se está sendo destruído.
Esquecemos, aliás, que se trata de um mercado: quando não há mais salários de veículos tradicionais, como se sustentariam os novos veículos, na forma de influenciadores? Por entregar entretenimento, informação, diversão? E é justo que o ônus do pagamento fique em marcas e empresas que fazem muito dinheiro, não? Uma parte pode, sim, vir da audiência, como assinatura de canais no YouTube, de newsletters e de programas de patrocínio como Patreon, Padrim, Apoia-se e Substack (para conteúdos em texto e áudio). Mas seria justo despejar o custo nessa ponta quando são as marcas as maiores detentoras de capital? Parece que um equilíbrio funcionaria melhor.
E então vem a questão do trabalho, também discutida na newsletter anterior. Para essa, basta trazer um novo ponto: na hora de vender publicidade, influenciadores funcionam como agência criativa, modelo e apresentador, produção de vídeo, edição e canal de publicação para a marca. O contrato não é apenas pela exposição da audiência cativa (que aliás acoplaria o lado da mídia, que necessária em qualquer outro tipo de canal) e pela influência conquistada com autoridade e credibilidade: se compra também todo o produto final da campanha. Esse valor é muitas vezes descartado ou esquecido nessas discussões, mas é parte essencial para todas. E em uma sociedade que apoia grandes cifras para outros profissionais do entretenimento - jogadores de futebol, galera da música e do cinema etc - não parece surpreendente que no meio da fama digital isso também aconteça.
2) como eu vou confiar em alguém que vende sua opinião?
Antes de tudo: a prática tem regras estipuladas pelo CONAR, como o fato de todo conteúdo deve ser sinalizado como tal, e plataformas como YouTube, Instagram e TikTok têm ferramentas nativas para isso. Ou seja: existe regulamentação. No meio da música, onde a prática do jabá surgiu e ainda reina – principalmente nas rádios e, agora, nos serviços de streaming – a questão segue bastante nebulosa: músicas compradas em playlists não sofrem sinalização, pra ficar em apenas um exemplo. E sem o apoio da indústria com seus salários, o que paga o profissional que dedica boa parte do seu tempo a essa atividade é a monetização da própria produção de conteúdo. Até porque esse conteúdo se reverte em dinheiro: em uma pesquisa feita com 500 internautas leitores em 2017, ao serem perguntados se compraram livro por indicação de booktubers, 63% disseram que sim.
Mell Ferraz, da plataforma Literature-se, que tem mais de 10 anos de existência, para o texto original na Carta Capital: “Para mim, a base de um canal literário é a sua honestidade. Com o crescimento das mídias digitais, a possibilidade disso se tornar um trabalho remunerado surgiu, e hoje muitos produtores de conteúdo, como booktubers, já se dedicam integralmente a isso. Vejo um conflito nisso quando a pessoa adota uma postura de vender sua opinião. Vender opinião e vender o espaço (e tempo) para a divulgação são coisas completamente diferentes.”
As novas mídias não são um apagamento das antigas – a divulgação do TikTok é inegável, assim como a credibilidade de uma resenha na imprensa tradicional. Mas essa ilusão de que se falar sobre arte deve ser apenas por amor vai além do elitismo: quer matar a possibilidade de uma democracia de opinião que é, talvez, a principal contribuição da internet ao mundo.
3) o conteúdo é pior quando é #publi?
Às vezes é mesmo, outras é tão bom quanto, outras ainda melhor. Na Obvious, eu escrevo muitos dos conteúdos patrocinados, e com a mesma dedicação e criatividade que faria todos os outros (não à toa eles performam muito bem!). Então qual seria o motivo de tanta gente alegar que desanima quando descobre que houve uma transação monetária? Voltamos aos tempos em que artistas da música são cancelados porque “se venderam”? Coitado do Kurt Cobain. Só que influenciadores não fazem shows, e trabalhar com publicidade é a monetização que faz sentido. Como fãs, apoiadores ou consumidores do conteúdo, não seria correto - e até legal - apoiar essa prática? Comentar, curtir e interagir com conteúdos publicitários como forma de permitir a longevidade desse creator?
Segundo a Business of Fashion, é cada vez mais comum o fenômeno de criadores que continuam em empregos formais, mesmo os de sucesso. Seja pela segurança empregatícia, pela vocação ou pela vontade mesmo, é inegável que das duas, uma: ou o creator vai dedicar menos tempo para produção de conteúdo, ou vai ter um burnout. “Meu trabalho formal é de 40h por semana, e eu trabalho pelo menos mais 40h nas minhas redes. Em média, são de 4 a 6 TikToks e 1 post no Instagram por dia, um episódio de podcast e 2 vídeos no YouTube por semana. Ainda ofereço serviços de workshop e coaching,” fala a influenciadora Emily Durham.
E existe outro motivo por trás dessa tendência: cada vez mais, vídeos sobre rotina de trabalho, não importa qual seja o seu, se tornam virais. Mas daí vem a pergunta: o que acontece se o influenciador se demite ou é demitido? Aliás, essa tendência é uma consequência da busca pela autenticidade nas redes (eu ainda vou escrever sobre o BeReal…), da rejeição da ostentação de blogueiras de moda, e da propensão atual a vídeos em que influenciadores contam histórias pessoais (Bruna Conce, eu te amo).
De certa forma, o like é o pagamento mais barato que existe - e, se a gente curte aquele conteúdo, deveria ser fácil demais apoiar com algo tão simples assim. Então por que odiamos #publi #ad #branded? Vem, me fala o que você acha.
Acho que tem uma outra camada aqui que merece atenção: a gente tá cansado que toda nossa atenção esteja sequestrada pra pensar sobre comprar objetos e experiências. Quando tudo é dominado por propaganda, e a única forma do produtor se manter de fato é sendo garoto propaganda, isso também afeta o restante do conteúdo, já que é impossível atrair a atenção das agências sem estar atento a uma diversidade de parâmetros que nem sempre são adequados pra ser medir uma produção artística. O problema não é a falta de dedicação com que são feitos esses conteúdos, mas justamente o excesso: o olhar que acaba contaminando o que não é anúncio, e até quem não está nem mesmo contratado.
acho que o centro da coisa é a questão da autenticidade, que já foi mencionada aqui nos comentários. uma visão comum sobre os publis é que o influenciador tem todo o direito de fazê-los e isso não vai gerar unfollows. o seguidor tem a consciência de que o influenciador mereça receber por sua proeminência e não condena a existência dos publis. a questão está nele de fato consumir esse conteúdo. quando ele não enxerga autenticidade nesse conteúdo ele vai entender que aquilo só está sendo feito pra vender e vai ignorar, afinal ele está ali para ver o que o influenciador acha sobre determinado tema, e não o que uma marca acha.
quando vamos para branded content, aí vem as nuances. ele é uma tentativa de aproximar o usuário nessa questão da autenticidade. o nível de sucesso vai depender do quão bem feito aquilo é. não tenho dados sobre isso, mas não tenho a impressão de que uma grande parcela dos usuários ignore um conteúdo super relevante e que tenha a ver com aquele influenciador ignore aquilo. o problema é que para um branded content chegar nesse nível de autenticidade que o usuário busque tudo tem que ser muito bem amarrado, e nem sempre influenciadores e times de marketing das marcas tem esse tempo/disposição/expertise. eu trabalho no marketing de uma grande empresa de alimentos e vejo erros básicos sendo cometidos a todo momento.