alcateia #42, você já teve uma relação parassocial?
Quem também é melhor amiga da Taylor Swift?
Analise esses dois mapas astrais: o sol de uma está em conjunção com a lua da outra. O sol e ascendente de uma está na casa 1 da outra. Por causa das casas irregulares, mesmo com ascendentes diferentes, quase todas as cúspides se encontram, de forma que os meio céus estão em conjunção. Há uma forte relação sol-júpiter e sobreposição dos saturnos de ambas. Se houver uma diferença de dez minutos no horário oficial de um mapa, que tem quase 100 anos de registro, os dois ascendentes entrariam em conjunção.
Os mapas são o meu e o de Sylvia Plath, e foi minha primeira leitura astrológica com um astrólogo profissional. Existia uma angústia gigante em confirmar a nossa relação além-vida, que eu tentava consumir e saciar com biografia após biografia, diários, cartas, ensaios, análises, livros lidos e relidos e lidos mais uma vez. Queria comê-la, devorá-la, trazê-la pra dentro de mim, uma voracidade insana por possuir aquilo com que me identificava. (Eu tinha vinte anos, vamos perdoar a garota boba que eu fui. Não que tenha deixado de ser boba no geral.)
No romance de estreia de Meg Wolitzer, Sleepwalking (infelizmente não traduzido no Brasil), encontramos três amigas que facilmente fariam parte do clube das gostosas tristes. Cada uma tinha sua obsessão por suas poetas deprimidas, por isso recebiam o apelido de “death girls”: Naomi, como eu, por Sylvia Plath. Laura por Anne Sexton. E Claire por Lucy, uma poeta fictícia. Quando Lucy se suicida, formando a santíssima trindade de mortes trágicas, a protagonista da história fica desolada. Ela percebe que nunca foi capaz de saciar a sede que tinha em relação a essa outra mente. A seguidora de Plath conta que foi até a cidade natal da escritora e passou um dia na frente de sua casa de infância, viu a mãe da autora passear pela rua e teve algum tipo fechamento emocional da relação.
Claire eleva a experiência a outro nível. Aparece na casa dos pais de Lucy, pedindo para trabalhar ali. Todos os dias, ela acordava, limpava a casa, cuidava do jardim, fazia comida, e dormia por lá, em uma vida que era, em algum nível, parecida com a que Lucy havia tido. Acaba dormindo em seu quarto, em sua cama. Na ânsia de engolir tudo que pudesse, se imaginava conversando com o fantasma da poeta, escondendo sua verdadeira motivação da família em luto. O extremo a que essa relação é levada, na ficção, tem um sabor poético e triste de identificação, de compreensão. Talvez Meg tenha sentido a mesma coisa que a protagonista. Talvez muitas de nós tenham sentido isso, por muitos outros ícones inatingíveis. Provavelmente sim.
Diferente de relações com poetas mortas de tempos atrás, a aproximação ilusória ficou mais delicada quando a internet fez com que todo mundo parecesse acessível? Quando sua cantora favorita manda dicas escondidas em tudo que faz, a sensação de compartilhar segredos é maior? As análises sobre isso existem há mais de 50 anos, porque o surgimento do rádio e o estilos dos programas de TV trouxeram o mesmo fenômeno às gerações anteriores.
Esse fenômeno é a relação parassocial, conceituada como relações de mão única, com ausência de reciprocidade. São nossos amigos imaginários da vida real. Ou inimigos: em O perigo de estar lúcida, Rosa Montero fala sobre uma golpista que se passou por ela mais de uma vez. Em uma matéria para a revista The Guardian, a atriz que faz Luna Lovegood em Harry Potter, Evanna Lynch, fala que, quanto mais famosa a pessoa, menos extremas seriam essas relações. “As mensagens que recebo partem do pressuposto de que eu nem vou ler. Mas, quando você tem uma audiência menor e mais íntima, as pessoas parecem exigir uma resposta”, ela fala. Participantes de reality shows e influenciadores podem ser alvos desse extremo: por terem a própria vida como produto e não, por exemplo, um fazer artístico, parece que a intromissão alheia é muito maior. Vai da exigência de satisfações sobre a vida pessoal até a enxurrada de reações violentas.
Existe uma responsabilidade da figura pública em relação a esse fenômeno: cultos se alimentam facilmente do comportamento (alô NXIVM, cientologia etc), por exemplo. Também é inegável o potencial de abuso de outros grupos: há 10 anos, um chan lançou a tendência #cutforBieber, se passando pelo ídolo e incentivando pré-adolescentes a se cortarem. Não foi a primeira e nem a última vez que algo assim aconteceu. O outro lado também é verdadeiro: segundo uma análise da revista Nature, após Angelina Jolie compartilhar sua mastectomia preventiva, o número de procedimentos de redução de risco duplicou. No fim do ano passado, quando Taylor Swift incentivou seus fãs a votarem, o site Vote.org teve um aumento de 22.5% nos registros de eleitores.
Em Everything I need I get from you, a autora Kaitlyn Tiffany discute o quanto fãs mulheres mudaram a internet, tendo como estudo de caso a comunidade ao redor da banda One Direction. Sim, mostra o quão longe as relações parassociais podem ir: as brigas entre fandoms, as ondas de ódio para artistas competidores, até a vingança ao se sentir traída pelo cantor favorito. Mas também mostra o legado positivo que ficou. Para ela, de forma geral, esse relacionamento é um mecanismo para lidar com a dureza da realidade e com a solidão, além de um caminho para se expressar criativamente. (Aliás, já escrevi sobre fãs aqui, antes da leitura desse livro.)
Mas não é só na fama que o comportamento se apoia. Para Freud, esse tipo de projeção é comum entre paciente e terapeuta. É percebido entre professores ou instrutores e seus alunos. Uma paixão platônica pode ser considerada uma relação parassocial. Natalie Wynn, conhecida como Contrapoints, comenta em um dos seus vídeos que essas relações se ampliam para políticos, monarcas, deuses. Para ela, existe um poder formador nesse tipo de intimidade, porque, de certa forma, esse tipo de identificação pode ter um fator de alteridade e acolhimento que nem sempre se sustentaria na vida real. Em uma TEDx de 2015, a psicóloga Jennifer Barnes fala que os benefícios das relações parassociais são semelhantes àqueles das relações que chamamos de verdadeiras. Além disso, para quem vive em uma realidade de doença que limita a vida pessoal, existem outros benefícios em manter esse tipo de relacionamento. (Por outro lado, podem levar ao isolamento e se transformar em patologia, mas essa é outra conversa.)
Diferente de personagens da ficção, que cessam de existir quando o livro, o filme ou a série acabam, as celebridades duram até a morte, em um “para sempre” imaginado que é reconfortante. Esse amigo fará parte da nossa vida por muito mais tempo. Mas e quando morrem? (Recentemente, revendo o primeiro Divertida Mente, desabei em lágrimas quando o amigo imaginário da protagonista morre nas memórias para sempre esquecidas. Duplamente curioso - e irônico.)
Bom, eu me lembro do desespero de acompanhar a partida inesperada de Leonard Cohen. Não vivi a morte de Sylvia Plath ou de Kurt Cobain, mas tenho certeza que teria chorado muito - assim como vou chorar quando a Taylor Swift morrer, ou chorei quando tantos personagens morreram.
Você também já chorou com morte de famosos ou personagens? Você também tem amigos imaginários em pessoas da vida real?
No parágrafo final, pensei muito no Bowie, meu amigo imaginário da vida real que me deixou em luto por um tempo após sua morte. E chorei copiosamente.