alcateia #33, quando você virou adulta?
Seria com essa idade que viramos adultos? Foi com essa idade que minha independência financeira e autonomia como um todo foi concretizada. Mas não a inteligência emocional.
Faço 33 anos daqui a dez semanas, e finalmente sinto que virei adulta no ano passado. Há quase dez anos sou a única responsável por todas as minhas contas, moradia, plano de saúde e o que mais faz parte dessa fase. Mas adquirir a inteligência emocional de uma mulher adulta foi um processo mais longo, mais complexo, mais delicado.
Segundo a minha professora de História da Arte (Paula Ramos eu te amo), o conceito de infância começou entre os séculos 16 e 17. Até então, as crianças eram vistas como pequenos adultos, cujo corpo se desenvolve ao longo dos anos. A inocência infantil ganhou sua primeira homenagem teórica quando Rousseau escreveu sua obra em que alega que nascemos inocentes em meio à alegria, em um estado puro e belo que dura pouco tempo e é substituído pelas dificuldades e pelo sofrimento que chegam com a vida adulta.
É bem estabelecido que muitas mudanças morfológicas e psicológicas acontecem no nosso cérebro ao longo da vida. A sinaptogênese, processo de formação das sinapses entre os neurônios, acontece no decorrer dos anos, mas alguns momentos são cruciais: no desenvolvimento intra-uterino do Sistema Nervoso Central, no primeiro ano de vida do bebê, e na adolescência. A vida adulta parece pressupor ter essa parte resolvida, pronta, um cérebro perfeito para realizar sinapses da forma mais eficiente possível. Um outro fator, também bem estabelecido no meio científico, diz que o desenvolvimento cerebral, especialmente no que diz respeito ao córtex pré-frontal, só se completa aos 25 anos. Seria com essa idade que viramos adultos? Foi com essa idade que minha independência financeira e autonomia como um todo foi concretizada. Mas não a inteligência emocional.
Discussões legais sobre a maioridade ainda são recorrentes ao redor do mundo. A partir de quantos anos é permitido ingerir bebidas alcóolicas e tirar carteira de motorista? Qual é a idade de corte quando se fala de estupro de vulnerável? E a partir de quando é justo ser julgado como um adulto por crimes cometidos? Se tornar adulto significa responder essas perguntas, mas a maioridade aos 18 parece consenso. O que se percebe, porém, é que, nas gerações mais novas, esse processo de transição é mais longo, ideia personificada no termo adulting. E faz sentido.
“Porque na sua idade eu já tinha filhos, meu apartamento e uma vida estável” é a frase clássica das gerações mais velhas para destruir nossa autoestima ou apenas alimentar com brutalidade nossa ansiedade. Mas será que estamos vivendo uma síndrome do Peter Pan coletiva ou os marcos da vida adulta apenas não são mais desejos universais? Em um dos meus trechos favoritos do seu livro Não Aguento Mais Não Aguentar Mais, Anne Helen Petersen diz que “realizar sonhos boomers na realidade econômica atual é ter a sensação constante de que estamos montando uma estrutura firme em areia movediça”. - Monólogo de Marcela Ceribelli no episódio 165 do podcast (maravilhoso) Bom dia, Obvious e trecho de seu livro Aurora: o despertar da mulher exausta (leiam, é sensacional, e eu fiz a pesquisa!!!)
Quando comparamos gráficos dos Estados Unidos, mesmo considerando as crises econômicas, descobrimos que, entre 1948 e 1973, a média de salário por hora crescia proporcionalmente à produtividade. Após essa data, o salário se estagnou, aumentando em torno de 9% entre 1973 e 2013, enquanto a produtividade cresceu 143%. Desde os anos 60 até 2017, os salários aumentaram em torno de 25%, enquanto os alugueis aumentaram mais de 50% e o preço de compra dobrou. Segundo a Berkeley Economic Review, metade das pessoas das gerações anteriores conseguiam adquirir uma casa própria próximo aos 25 anos. Agora, conseguimos, em média, aos 35.
A geração millennial produz mais que todas e ganha menos que todas. É a primeira vez na história que uma geração não fatura mais que a anterior (como consequência de escolhas dessas gerações anteriores, né). Vivemos em uma época complexa econômica, social e politicamente, somos mais pobres, nossa mobilidade social vai para os dois lados e o desemprego é um medo constante. Casamos menos, temos menos filhos (ter filho é muito caro!), e trabalhamos muito mais. Tudo que parece indicar um atraso na chegada da vida adulta. Faz sentido. Só que existe outra camada por trás do adultecer: o amadurecimento emocional.
Cresci acreditando que a minha voz valia a pena, e que eu precisava resolver tudo sozinha. Desenvolvi uma ambição imensa, e que acabou me colocando em problemas de acreditar que a minha opinião era essencial, valiosíssima, merecia ser ouvida. Me metia onde não era chamada, comprava problemas de outras pessoas, queria resolver tudo o que aparecia na minha frente e metia os pés pelas mãos toda semana. Nem mesmo um primeiro burnout serviu de aviso.
- Chefe - eu disse, na sala no mezanino de um escritório grande e com vista linda. - Eu tenho feito o equivalente a duas ou três pessoas de trabalho.
Listando minhas atividades e as horas para cada uma, percebi que estava sempre atrasada porque precisaria de 18 horas para fazer todas as minhas tarefas diárias básicas, sem contar o que aparecia de surpresa. A solução dele foi descartar atividades que eram pré-requisitos de outras, o que não fazia o menor sentido, alegar que tudo ia melhorar, e me dar um novo problema para resolver até o dia seguinte, mesmo que já fosse fim do dia. Virei a noite com o Illustrator aberto, revisando e editando embalagens de produtos.
Se houvesse burnout emocional, eu poderia dizer que tive um assim também. Um relacionamento que me fez parar em uma clínica psiquiátrica e eu ainda assim não entendi que era tóxico e doentio. Insisti, quis tentar de novo, por anos até. Saí apenas com uma medida protetiva e o agradecimento a deus de que abandonava o resto porque estava conquistando paz no coração. Só que a Clarissa solteira também foi meio boba, meio fazendo joguinhos sem nem perceber, meio olha só como eu sou legal e interessante e você deveria se apaixonar por mim, e daí enjoar dos caras quando se apaixonavam, achar todos chatos, e daí ficar ofendida quando eles deixavam de implorar pela minha atenção. Quantos anos pra esse universo de imaturidade, 19? Opa, errou por uma década, era 29. (Sim, estava superando uma das coisas mais bizarras e dolorosas da minha história, e nem to falando do câncer que tive aos 24, então talvez a gente possa olhar de forma acolhedora para essa Clarissa caótica.)
Tem mais uma coisa. Existia um certo prazer em tretas, escrever textão em grupos no Facebook, reclamar, ser a palestrinha do rolê para defender ideias até o fim - falar onde não sou chamada, não sou necessária e não preciso opinar. Vocês também eram assim na vida jovem adulta? E daí aquela menina que eu seguia me deu unfollow no Instagram. Do nada. Como assim, preciso entender o que aconteceu, preciso perguntar na DM, chamar e mandar um opa, por que você deixou de me seguir? Preciso dar unfollow de volta, na raiva. Preciso ficar com ciúmes que não fui escolhida para um projeto legal e stalkear a vida de quem foi escolhida apenas para acreditar em um universo ególatra de que eu teria sido muito melhor ou, do contrário, cair em uma espiral de fracasso acreditando que sou horrível e nunca conseguiria nada. (Que vergonha. Só eu cometo esses vacilos?)
Foi só com terapia - e um segundo burnout - que fui aprendendo a ser menos reativa, a ficar quieta, a sentir menos recalque, a me distanciar para conseguir ter um pouco de clareza, retornar aos meus valores, refletir sobre como eu quero lidar e elaborar aquele sentimento, que pode sim ser genuíno, mas não precisa virar ideia fixa e muito menos se transformar em ação. Distance creates clarity era um lembrete frequente, rabiscado em agendas, colado do lado da minha cama em um post-it lilás, repetido em casa como um mantra.
Com o fim de 2023, na minha autoanálise de todas as viradas de ano, olhei para trás e… no último ano, estava sendo uma versão mais serena de mim mesma. A calma tomou o lugar da ansiedade no trabalho, o namoro e as relações familiares ficaram mais saudáveis, voltei a sair de casa e ter algum nível (precário, mas uma conquista, vai) de vida social. Em 2023 não me meti em tretas na Internet, desliguei os likes do Instagram pra não obcecar com isso, parei de me importar se alguém me dava um unfollow ou não.
Tinha sobrevivido câncer cinco vezes, pagava todas as minhas contas, tinha comprado um carro e feito várias mudanças de casa basicamente sozinha, cuidado de pets com responsabilidade, ajudado amigas em questões delicadas, viajado sozinha para fora do país. Fui corajosa, muito corajosa, ainda mais determinada. Mas as coisas bobinhas, tão bobinhas, ali nos parágrafos anteriores… elas eram meu desafio. Porque elas mexiam com a ambição, com o ego, com a vergonha, sentimentos que ainda não tinha aprendido a elaborar. Ainda bem que 2023 foi o ano em que esse processo acelerou.
Como Rousseau avisou, a minha primeira década de adulta foi cheia de sofrimento - mas não só disso minha vida adulta foi feita. Hoje, percebo que conquistei um lugar belo, de serenidade e distanciamento. São sentimentos voláteis, e a imaturidade sempre vai dar um oi de vez em quando. Mas agora, quando a infantilidade aparece (e não dizem que é pra alimentar a criança interior???? vem com alguns defeitos….), ela consegue ser elaborada depois. Ufa. Tá tudo bem - e se não tá agora, vai ficar.
(História engraçada: tirei três dentes siso no começo dos 20 anos, mas o único que ficou para trás veio debutar agora. Seria ele a confirmação de que ganhei juízo? Seria ele o marco da minha vida de gente grande? E aliás quem inventou que siso se escreve assim? Ficaria mais bonito se fosse ciso, não ficaria????)
E você, quando virou uma pessoa adulta na sua concepção de adultecer? Aliás, o que é ser adulta para você? E você também ficava chateada com unfollow de alguém que você gosta?
Em meio à minha crise de ansiedade noturna, insônia e sensações que eu até poderia tentar descrever neste comentário, mas não seria de bom tom (ou apenas não me sinto confortável suficiente em me expor mais que o necessário), chego em meios e-mails e passo a lê os textos que recebo. Crescer, adultecer (até poderiam ser sinônimo, contudo aparentam ser duas propostas diferentes da/na vida) tem sido ora esmagador, ora desafiador, ora uma festa celebração a uma (talvez falsa sensacao) de liberdade. Quero isso, quero aquilo, quero por mim e para mim. Quero através de mim para assim eu me sentir forte no pedestal mental emocional que criei. Como é confuso! Como é curioso adultecer é passar a olhar nossas questão com um olhar um tanto prático, deixar de lado os pormenores, como a menina que deixou de te seguir, ou aquela que me deixou de seguir. Como as relações mudam rápido! Nada é permanente não é mesmo? Exceto nosso desejo de crescer, mas depois que cresce e tem que adultecer (no caso de nós mulheres) a única coisa que almejamos no fundo de nosso interior é um colo simbólico de cuidado. O teu texto, Clarissa Wolff me fez refletir e assim me senti parte de tuas palavras.
Que saudade de você ♥️ Eu tô chamando 2024 o ano da coragem tranquila (ou da tranquilidade corajosa).