alcateia #30, qual é a arte de ser deslumbrada?
Por uma nova crítica cultural, com nuances, afiada, mas ainda tendo como base a compaixão e a empatia (e tudo bem um pouco de deslumbre pra combater o cinismo reinante).
Tem uma cena em Mrs. Maisel, uma das minhas séries favoritas da vida, em que a protagonista, Midge, indica para sua agente que, naquele hotel, existe uma escada que não leva a lugar nenhum. Uma escada cujo único objetivo é servir de passarela para mulheres. Você escolhe seu look perfeito, sobe, e então faz sua entrada triunfal - ou melhor, descida triunfal. A agente, acostumada com humor mordaz de Midge, que é comediante, pensa que o comentário é irônico - até descobrir que não, Midge está apaixonada pela ideia de descer pela escada em seu vestidinho fantástico. E é o que ela faz.
Essa cena desnuda um aspecto importante da personalidade da protagonista: ela é deslumbrada. Com tudo. (Tudo bem que ela não tem depressão grave nem teve câncer 5 vezes, e o luxo de poder ser alienada em sua bolha extremamente privilegiada influencia nesse deslumbre.) Ainda assim, tem algo de mágico em se embasbacar por coisas simples. Algo de inocente, algum retorno para nossa criança interior.
A BBC disse que se deslumbrar ajuda a memória, mas eu sou desconfiada com estudos “científicos” que eu não pesquisei a fundo (pois sou filha de uma especialista em pesquisa científica e também vi esse vídeo do Veritasium e teve aquele caso de pesquisadores ultra respeitados serem descobertos falsificando dados) (mas também isso não quer dizer que eu seja adepta de teorias da conspiração ok, apenas entrego uma confiança forte na ciência de forma criteriosa, não sou negacionista, sou confirmadista após fact checking). Os estudos referenciados na matéria não são tão conclusivos assim. Frases do tipo “como professor (…) ele sabe que (…)” junto a análises e interpretações questionáveis sobre eventos produzidos já com um pequeno viés não me convencem. Mas, independente da qualidade científica da matéria, uma frase me chamou atenção: “Quando ficamos maravilhados com algo realmente incrível e grandioso, nós nos percebemos como menores e mais insignificantes com relação ao resto do mundo”.
A minha interpretação, que também pode ser errônea, é mais ou menos assim: nos deslumbrar nos traz a ideia de que somos parte de algo, em vez de nos alçar a um papel de árbitro. Será que o pensamento crítico não precisa justamente dessa ideia de que não somos os grandes julgadores de tudo? Será que o pensamento crítico não precisa de aprendizado constante, auto questionamento e investigação genuína do que está sendo proposto? Será que o pensamento crítico é essa coisa de apontar todos os equívocos do outro?
Amo ser deslumbrada, e mantenho isso com esforço consciente. Não só eu: Valter Hugo Mãe diz que precisamos viver nos encantando com o mundo. Eu quero me surpreender com a vida, chorar porque vi uma flor bonita no ônibus a caminho do meu primeiro estágio (tudo bem que eu estava profundamente deprimida, então o vislumbre de beleza pode ter representado a esperança de algo belo de novo na vida). Ainda assim, eu quero me surpreender com coisas boas. Quero andar de carro em um caminho que sempre faço, ouvindo músicas que amo, e achar que é a coisa mais incrível do mundo. Quero ver trabalhos de artistas, mesmo dos que não gosto, e buscar alguma coisa legal. Acima de tudo, quero escrever com tesão sobre coisas pelas quais me apaixonei. Quando escrevia uma coluna literária na Carta Capital, me perguntaram mais de uma vez: por que você nunca fala mal de livros? A resposta é bem simples, na verdade: porque eu tenho vontade de escrever sobre aqueles que amei, que não consegui largar, que geraram emoções, reflexões, questionamentos, que vão me proporcionar a oportunidade de incentivar a leitura com toda a minha ferocidade.
Na newsletter Internet Princess, Rayne Fisher-Quann (de quem nunca falei aqui pois tenho ciúmes!!!!) fala: comecei esse projeto porque queria criar uma comunidade em volta de uma nova crítica cultural, com nuances, afiada, mas ainda tendo como base a compaixão e a empatia. E é nisso que eu acredito. (E tudo bem um pouco de deslumbre pra combater o cinismo reinante, vai!!!!)
Agora só entre nós, o que te deixa deslumbrada?
E falando em deslumbre, se souberem de ingressos pra Taylor Swift em São Paulo, de fontes confiáveis, favor entrar em contato <3 e se forem no dia 24, bora conversar lá?
Texto maravilhoso! Acredito que todos somos assim quando somos crianças e vamos perdendo o deslumbramento com o passar do tempo. Hoje, me vejo como uma pessoa que se limitou muito para caber no mundo dos outros, e estou lutando para reencontrar o meu olhar infantil, que ficava maravilhada com o mundo.
Outro dia fiz uma "mágica" para minha prima, ela tem uns 8 anos, e ela ficou tão encantada com um truque simples que contou para todos os amiguinhos dela que eu era uma "bruxa boa" e fiquei pensando como seria bom sentir isso que ela sentiu.
Eu tento pensar assim também, pois creio que se virarmos críticas de tudo ficamos amarguradas, então me permito deslumbrar com as coisas, gosto de passar na padaria só pra ver os doces ou na rua mais arborizada perto do meu trabalho pra ver a calçada cheia de flores quando tive um dia difícil, enfim