alcateia #02, quando deixamos de ser radicais?
Corta para meia década depois e eu viro essa mesma versão light, começo a criar concessões internas para princípios antes invioláveis.
Quando eu assisti ao show da banda The Julie Ruim, no Primavera Sound Barcelona de 2015, eu tinha 24 anos e meu envolvimento com feminismo era sério. Da produção de textos longos que viralizaram e tradução de artigos à cobertura fotográfica de eventos, o ser feminista era um verbo de ação, constante e em movimento.
Em algum momento do show, uma dupla de garotas também muito animadas com a experiência começou a gritar “garotas na frente”, uma menção ao mantra que Kathleen Hanna, vocalista da banda, repetia nos idos dos anos 90 quando fazia parte da histórica Bikini Kill, como forma de proteger as mulheres nos ambientes da música punk. Na mesma época do festival, eu produzi algumas festas com o mesmo nome, recolhendo o lucro e revertendo em doações para a Associação Fala Mulher, de São Paulo, que trabalha com mulheres que foram vítimas de violência doméstica. O grito delas era meu também. Não lembro se Kathleen Hanna chegou a sorrir para as duas, mas lembro que sua reação foi tão pequena que senti o choque da ausência política naquele show que, para mim, deveria ser justamente o contrário.
Eu costumava conversar com feministas mais velhas ou buscar suas histórias em livros e no Google, encontrando versões light de quem haviam sido na juventude. A fúria parecia um pouco esvaziada, a luta cansada, e eu pensava “meu deus, eu nunca vou deixar isso acontecer comigo.”
Corta para meia década depois e eu viro essa mesma versão light, começo a criar concessões internas para princípios antes invioláveis. Claro que, como mulher-branca-e-classe-média (sem falar que no momento estou em um relacionamento heterossexual), existe certo conforto e garantia de privilégios que me permitem abrir mão de determinados compromissos políticos, em uma atitude egoísta que beira aquilo que tanto criticava. Quer dizer, tenho consciência desses privilégios e ativamente atuo para compensá-los (culpa branca?), mas seria auto-crítica (expressão insuportável) e um compromisso com desconstrução (mais insuportável ainda) o suficiente?
E ainda precisamos encarar a ascensão do fascismo no mundo inteiro, em meio a antivaxxers e terraplanistas - tudo tão impossível de acontecer que ninguém deu bola, e virou um monstro. A curva à direita da política mundial tem como consequência carregar todo o resto do espectro político na mesma direção, de forma que o centro passa a ser considerado esquerda, a esquerda parece ser considerada extrema e comunista, e o comunismo passa a ser… o quê?
Talvez justamente por ter ficado menos radical, acabo dando certa ênfase ao individual: é uma tendência ficarmos mais moderados conforme envelhecemos?
Não faço ideia. O que vocês acham?
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Notas de rodapé
#1 Lula 13 dia 30, óbvio, combinado? Combinado.
#2 vocês que me lêem, existe algo que realmente queiram ler? conversar? etc?
sinto que passei a ser menos "militante" e mais reflexiva nos últimos tempos. fico mais calada e uso menos a palavra feminista pra me definir - apesar de que, exatamente nesse momento, estou vestida com uma camiseta com os dizeres 'latina e feminista' - enfim, a hipocrisia.
falando sério, acho importante esses momentos de step back que a gente faz, pra entender como quer continuar caminhando. eu ainda não sei direito como quero encampar novamente minha militância, tenho me incomodado demais ao perceber o crescimento das radf3m e das liberais... não quero fazer concessões mas também não tô tendo energia pra pensar muito (por que será!?).
Engraçado você comentar sobre o paralelo do feminismo “antigo” e o “novo feminismo”, a diferença geracional do movimento. Essa é uma das questões abordadas em A persuasão feminina da Meg Wolitzer.
Quero conversar sobre tudo contigo! Beijosssss