alcateia #52, nossas moléculas e outras histórias
Livros sobre as descobertas que mudaram a história da medicina.
Escrever não-ficção é cair no vórtex interminável da pesquisa, uma das minhas partes favoritas. Sempre vai ter mais um livro para ler, uma informação mais atualizada, o novo artigo científico que está mudando paradigmas. Na aventura que é escrever meu novo manuscrito, mergulhei na mente genial de autores que investigam aspectos da medicina que mudaram a nossa história. Trago aqui meus favoritos (pelo menos até agora). (Tenho dificuldade em ordenar arte de acordo com algum julgamento de valor, então costumo colocar em ordem alfabética pelo sobrenome do autor - brega, mas tudo bem).
Vou deixar uma coisa bem clara: eu amo vacinas, sou a favor das vacinas, odeio quem é anti-vacina, odeio as desculpas baseadas em falsas pesquisas e falácias argumentativas. Eula Biss não tinha tanta certeza ao começar esse livro, que é uma investigação sobre as origens e a evolução do processo de inoculação, já que, como recém mãe, precisa tomar a difícil decisão de vacinar ou não o bebê. (Spoiler: ela vacina.) Além do embasamento científico e das histórias pessoais, o livro traz cultura e mitologia para a conversa, abrindo a discussão com o mito de Aquiles e sua inoculação falha que deixou o calcanhar desprotegido. Deveria ser leitura obrigatória na escola - e você pode ler alguns trechos que respondem perguntas espinhosas aqui no site da editora.
Natural causes - Barbara Ehrenreich
A gênia estudou física, química e imunologia celular, mas trabalhou como ativista política de esquerda e como ensaísta. Escreveu sobre indústria da saúde nos Estados Unidos, sobre revoluções estudantis e feministas, sobre a cultura da guerra, sobre a classe média e o sonho americano, sobre sexo, sobre mulheres curandeiras ao longo do tempo, sobre positividade tóxica (há mais de dez anos!). Assim, a mulher é foda, e esse é talvez o meu favorito da lista. Nesse texto, ela reflete sobre nossa relação com nosso corpo, sobre a necessidade do ritual médico para a sensação do paciente, sobre argumentos filosóficos (ou nem tanto) em relação a um suposto livre-arbítrio a nível celular, sobre a cultura do bem-estar e de ser saudável (com dietas, rotinas fitness e tudo mais), sobre o envelhecimento do ponto de vista das células, e sobre a verdadeira falta de controle que temos sobre nossos corpos. Ela teve câncer, e a forma como aborda a doença é muito interessante para mim, que também tive câncer. Em determinado momento, ao falar sobre a prática de screening (a sequência constante de exames na busca de detectar potencias ameaças em pessoas com históricos difíceis), ela levanta uma pergunta: agora que já passou dos 70, o quanto tempo de vida esses exames todos conseguiriam ganhar? Ela não viveria mais tantos anos, será que vale a pena passar por tudo isso sendo que talvez morresse antes de causas naturais? (Spoiler: ela morreu há 3 anos e não foi de câncer.)
Thomas Hager mergulha na indústria farmacêutica para criar uma genealogia dos principais medicamentos que impactaram o mundo: os antibióticos, os opióides, os calmantes, a pílula anticoncepcional, os remédios para disfunção erétil… como o próprio subtítulo indica, é sobre “as plantas, os comprimidos e os pós que mudaram a história da medicina”. Foi o primeiro livro de não-ficção que li em 2025 e que leitura espetacular, gostosinha mesmo, naquele estilo literário de uma narrativa que parece um romance.
The biology of desire - Marc Lewis
Provavelmente o mais técnico da lista, ele começa com uma premissa: o vício não é uma doença. Mergulhando nos neurotransmissores do cérebro e em toda a fisiologia que envolve a adicção, o autor desembaraça uma série de pré-concepções para explicar um ponto de vista revolucionário sobre a nossa relação com substâncias psicoativas. Cada capítulo parte de uma história real sobre uma pessoa viciada em algo, como estudos de casos que servem de fundo para discussões científicas que nos deixam com aquela pulga atrás da orelha em relação a tudo que aprendemos sobre o tema. E vai além do vício: fala sobre anorexia e outros hábitos que têm o mesmo funcionamento biológico.
A canção da célula - Siddhartha Mukherjee
É o que estou lendo no momento e já me apaixonei. Siddhartha Mukherjee é médico e escreve sobre seu fazer como poucas pessoas (seria ele o Drauzio Varella gringo?). Seu principal objeto de estudo é o câncer, por isso acompanho o trabalho dele de perto. Nesse livro, ele aborda como a célula, a base da vida, funciona - e o que acontece quando para de funcionar. É o mais longo da lista, passando das 500 páginas, mas traz um cenário histórico completo que vai até a revolução que veio com o entendimento e a capacidade de manipular nossas estruturas microscópicas. Não terminei, mas já posso dizer que é incrível.
A doença como metáfora - Susan Sontag
Publicado originalmente nos anos 70, aborda as reações sociais e culturais com doenças que ganharam a mídia (e tomaram conta do inconsciente coletivo da época), como a tuberculose, a AIDS e o câncer (aliás, ela escreveu o livro enquanto fazia tratamento para câncer de mama, mas não chega a usar sua experiência pessoal no texto). Menos científico e mais sociológico, discute a linguagem usada ao se falar de doenças, particularmente as metáforas e o viés psicológico (repressão da raiva, depressão etc como causas) usado para justificar e debater as condições. Para ela, essas metáforas culpam a vítima, envergonham o paciente, e são nocivas no percurso da busca por uma cura. Argumento interessantíssimo.