As leituras de ficção que mais me marcaram em 2024, parte 2 (leia a parte 1 aqui).
Maio - É assim que acaba, Colleen Hoover
Pois é. Li esse livro. Adorei esse livro. Sim, não acho uma boa escrita em si, e sim, senti uma vergonha alheia em diversos trechos. A narrativa não foi o que me conquistou. Mas até agora é um dos melhores retratos de violência doméstica que já vi na literatura, junto com Superação (que só vi a adaptação em série na Netflix, chamada Maid). No lugar de trecho, deixo a dedicatória do livro: “Para meu pai, por fazer o que pôde para não mostrar o pior de si. E para minha mãe, por garantir que nunca víssemos o pior dele”. E é só isso que posso falar.
Para quem gosta de: Anna Todd e Carola Lovering
Junho - Antes de virarmos estranhos, Renée Carlino
É a terceira e última história romântica da lista de favoritos do ano, uma história de reencontro e segundas chances. Só sei que fiquei com a sensação de que estava apaixonada por dias.
Para quem gosta de: Taylor Jenkins Reid e Olivie Blake
Julho - As irmãs Blue, Coco Mellors
Minha leitura favorita do ano superou demais o livro de estreia da autora. Três irmãs se reencontram um ano após a morte da quarta para lidar com os vestígios da sua vida no apartamento familiar, que será vendido em breve. São personalidades muito diferentes (que na minha mente astróloga representam os elementos dos signos: Avery é fogo, Bonnie é terra, Nicky é ar e Lucky é água) que se cruzam e se afastam em uma dança um pouco triste, um pouco acolhedora, e muito bonita. Abordando temas difíceis como vício, dor crônica, suicídio, violência doméstica e relações familiares, a narrativa muito sensível nos permite entrar na cabeça complexa e meio doida de cada uma das personagens.
Um dos pontos altos da trama, para mim, é o embate entre a irmã mais velha, Avery, e a mãe delas, em uma conversa carregada de sentimentos e magistralmente conduzida. Em certo momento, a mãe lança uma frase que me deixa arrepiada até hoje: ah, deve ser difícil para você, ser a única pessoa no mundo cuja mãe não é perfeita.
Para quem gosta de: Zadie Smith e Jennifer Egan
“Por ser modelo, ela estava acostumada às pessoas terem o prazer em provar que era idiota. Era um tipo de proteção contra a inadequação: se ela fosse bonita, mas burra, as pessoas ainda poderiam se sentir superiores. (…) Mas e se as duas características não fossem excludentes? E se fosse possível ser tanto atraente profissionalmente quanto inteligente? Então aquela aparência mediana deles não serviria a outro propósito além da decepção, e Lucky atuaria como um lembrete infeliz. (…) ‘Surpresa, surpresa, uma modelo que não consegue ler.’ Não era a primeira vez que ela tinha visto, por acaso, o desprezo abaixo da superfície de outras mulheres, nem seria a última. Ela tinha quase um metro e oitenta, e pesava cinquenta e cinco quilos aos quinze anos. Ela era o padrão de beleza a que essas mulheres eram submetidas e, conscientemente ou não, elas a odiavam por isso. Bem-vindas ao clube, ela queria lhes dizer. Ela se odiava também.”
“O problema com a dor é que ela é invisível. Avery gostaria de ter lhe dado muletas, algum objeto que a tornasse óbvia para todos em volta dela, mas agora ela sabia que toda a dor é privada. A linguagem passava perto, mas nunca a captava. Cada vez que Nicky tentava encontrar as palavras certas, a dor parecia mudar de forma. (…) Quando a linguagem falhava, os números não faziam melhor. Quantas vezes tinham pedido a Nicky para classificar sua dor em uma escala de zero a dez? Era um enigma: se ela escolhesse um número muito baixo, ela poderia não receber o alívio necessário, se escolhesse um muito alto, seria dispensada como histérica.”
Agosto - Impostora, R. F. Kuang
Uma escritora fracassada e uma escritora de sucesso entram em um bar. Mentira, elas entram no apartamento luxuoso de Athena, a bem-sucedida, que, de uma forma bizarra e acidental, acaba morrendo. A fracassada, June, decide roubar então o manuscrito finalizado da amiga. E é assim que começa o livro.
Em primeira pessoa com uma narração zero confiável, June explica e justifica internamente tanto o roubo quanto sua decisão seguinte: reescrever e publicar, conquistando aclamação de público e de crítica. As acusações de plágio chegam, e são todas veementemente negadas por June. Enquanto ela esconde a verdade de todos, racionaliza para si mesma que reescreveu o livro inteiro, fez novas pesquisas, transformou o primeiro rascunho em um livro diferente. Ou seja: ela se vê como detentora da autoria final.
Mas ainda tem outra questão: Athena, a escritora que morreu, é de família chinesa - por isso, seus livros falam sobre sua experiência identitária, buscando na herança cultural muitos dos temas que são trabalhados. Mas June é branca. Então de qual nível de plágio estamos falando? Para a protagonista, com sua narrativa carregada de autoengano e mentiras para defender atitudes vergonhosas, nenhum. Em uma frase que pode resumir seu modus operandi, ela revela: a verdade é fluida, sempre tem um jeito diferente de contar uma história, mais um detalhe tendencioso para colocar na narrativa.
A única dica antes de começar: não espere se apaixonar por algum personagem. Todo mundo é odiável.
Para quem gosta de: Raven Leilani e Melissa Broder
“No fim, é tudo sobre o interesse próprio. Manipular a história; ganhar vantagem. Fazer tudo que precisar. Se o mercado editorial é cheio de interesses, que eles sirvam a seu favor. Eu entendo. Fiz a mesma mesma; é jogar o jogo. É como se sobrevive nesse mercado. (…) Desde que meu livro foi publicado, eu me tornei vítima de pessoas que pensam que, só porque são “oprimidas” ou “marginalizadas”, podem dizer ou fazer o que quiserem. Que o mundo deveria colocá-las em um pedestal e entregar oportunidades de bandeja. Que tudo bem fazer racismo reverso. Que tudo bem humilhar pessoas como eu, só porque eu sou branca. O racismo é ruim, mas tudo bem mandar ameaças de morte para as Karens. (…) Sou consumida por anos de raiva suprimida - raiva por ser tratada como um estereótipo, como se minha voz não fosse válida, como que se tudo sobre mim fosse resumido a essas duas palavras, “mulher branca”.”
“No passado, me perguntei como autores que foram cancelados - e cancelados por bons motivos, como assédio sexual ou uso de xingamentos racistas - se sentiram depois de serem isolados do mercado editorial. Alguns tentaram voltar, normalmente com tentativas decadentes de autopromoção, ou com workshops estranhos que pareciam seitas. Mas a maioria foi desaparecendo silenciosamente no éter, deixando para trás só algumas chamadas de jornal recapitulando o drama. Imagino que estão vivendo suas novas vidas, em novas profissões. Talvez estejam trabalhando em escritórios. Talvez tenham virado enfermeiros, professores, corretores, pais. Me pergunto como se sentem quando passam por uma livraria, se sentem um desejo corrosivo pelo conto de fadas de onde foram expulsos. O Geoff conseguiu voltar para o mercado. Mas ele é rico, bonito, cishet, branco e homem. Ele ganha possibilidades infinitas para poder errar. O mundo nunca me daria essa indulgência. Eu chego a considerar suicídio. Tarde da noite, quando a pressão do tempo parece demais, me vejo pesquisando monóxido de carbono e lâminas de barbear. Na teoria, parece um jeito fácil de fugir dessa escuridão sufocante. No mínimo, meus haters iriam se sentir muito mal. Olha só o que você fez, olha o que você causou, você não tem vergonha, não fica querendo voltar atrás consumido pelo remorso?”
Até a semana que vem com mais indicações.
E por aí, como começou 2025?
Minha leitura preferida de 2024 foi o Babel da RF Kuang. É bem diferente do Yellowface, que tb curti.
Bom ano, querida!