alcateia #34, clarissa disse que ela mesma compraria as flores
Virginia Woolf e as perguntas sobre o que é consciência e como funciona o pensamento.
Clarissa decidiu que ela mesma compraria as flores. Assim começa Mrs. Dalloway, meu livro favorito de uma das minhas autoras favoritas, e aqui estou colhendo flores para fazer jus a uma das minhas personagens favoritas.
Uma história engraçada: meu próprio sobrenome Wolff tem origem inglesa, e isso me leva a ser colocada na estante de literatura estrangeira em livrarias. Com frequência me encontro fazendo companhia à Virginia Woolf, lado a lado. Que grande injustiça comigo, sequer encostar lombadas com uma gênia literária seria correto. Ela, que escreveu até a biografia de um cachorro e inaugurou uma editora no começo do século XX.
Mas antes de falar de literatura, do fluxo de consciência que inunda suas obras, fica a pergunta: o que é consciência (tão bem discutida nesse texto de Erik Hoel)? E como funciona o pensamento? Você pensa em palavras ou em imagens? Se eu falar “gatinha lilás” você vê as palavras ou a gata aparece completamente em 3D, miando? Ou os dois?
Quando escrevo, enxergo as frases se formando em um ritmo de narração, em que a voz tem meu próprio som. No resto do tempo, minha cabeça funciona como abas infinitas do computador que fazem download constantemente de informações variadas que na maior parte do tempo chegam meio confusas e inacabadas, em alto volume, na forma de imagens, sons, cores, fotografias, impressões que parecem sensações ou sentimentos. E as palavras, que servem para organizar a bagunça, só chegam depois. Será que escrevemos porque temos dom com a palavra ou porque na verdade temos dificuldade de articular nosso universo interno e resgatamos o recurso mais útil?
O fluxo de consciência que marca a obra de Virginia Woolf traz esse vislumbre da psiquê dos personagens, seus processos mentais e emocionais. Nos tornamos voyeurs do universo particular da personagem, pelo menos da parte consciente. Estamos, outra vez, falando de consciência, esse algo tão complexo tanto no olhar científico quanto no metafísico. Para Erik Hoel, “consciência é como é ser você. Uma combinação de experiências, emoções, sensações e pensamentos que ocupam seu dia, no centro daquilo que é sempre você, a pessoa que experiencia.”
Em 1915 Freud lançava seu tratado sobre o inconsciente com as primeiras teorias sobre mergulhos profundos na nossa mente. Mrs. Dalloway chegou apenas 10 anos depois. E aí volta a pergunta: como funciona o pensamento? Seu mundo interno é uma voz dentro da sua cabeça? Será que ele existe em frases longas, entrepostas, interpoladas, organizadas com ponto e vírgula e travessão como mostra a autora?
Mell Ferraz, mestranda em literatura, estudiosa de Virginia Woolf e criadora do Literature-se, fala o seguinte em uma entrevista para a editora Antofágica: “Clarissa Dalloway é a anfitriã, símbolo do feminino, e a narrativa é intercalada com a de Septimus, um soldado e símbolo do masculino. Os personagens existem em oposição pelo papel claro que representam na sociedade, e trazem para si um pouco do outro.”
Quando mergulhamos em Mrs. Dalloway, Virginia Woolf não nos dá pistas, não interfere na narrativa, e Clarissa - a personagem, não eu - não fala diretamente com a gente. Estamos como observadoras, testemunhas de uma vida que se passa tanto lá dentro quanto aqui fora. E daí volta a pergunta: como funciona o pensamento? E qual é a consciência das pessoas sobre elas mesmas e sobre o mundo?
Toda vez que surge a conversa sobre como cada pessoa pensa eu fico super investida. Como alguém que não vê imagens na cabeça, sou ateia do pensamento visual (brincadeira! Ou não 😂 mas tenho uma dificuldade enorme de processar a informação de que alguém VÊ alguma coisa dentro da cabeça quando tudo que tenho é uma voz que processa palavras e compreende conceitos!!!).