alcateia #20, uma crise dissecada via stories é melhor que uma foto sorrindo no feed?
Muito mais que o discurso palatável e digerível de que millennials e GenZ são viciados em likes, talvez exista uma profunda dor da vergonha de falhar em volta do meio que você ama.
Quando assisti ao documentário sobre o Fyre Festival na Netflix, o que me chamou a atenção não foi como a histeria coletiva levou à cegueira. Foi um momento em que Marc Weinstein, consultor musical e uma das pessoas mais lúcidas durante a situação, questiona a relação que temos com nossa imagem e nossa projeção na internet. Ele se lembra do desastre todo e de como havia uma falsidade no ar, nas redes sociais do Fyre, todo mundo em conjunto em uma mentira muito bem estruturada, e ele parecia ser a única pessoa desesperada com todo aquele caos - mas, quando voltou ao próprio Instagram, se deparou com outra realidade. Em seu texto em que explora o fenômeno, ele fala: “minha conta era cheia de fotos de água cristalina, praias, pôr-do-sol, mesmo que eu passasse o dia todo na frente do computador fazendo cálculos. Foi uma das épocas mais estressantes da minha vida, mas, olhando meus posts, parecia que era tudo exótico e tranquilo.”
Há uns 5 anos, por meses a fio minha vida pareceu exótica e maravilhosa, e eu recebia mensagens de como estava fazendo viagens incríveis enquanto sofria síndrome de burnout (foto em NYC) ou quase precisava ir ao Pronto Socorro por uma crise extrema de desgaste físico e fibromialgia por trabalhar das 9h da manhã às 3h da madrugada (foto em Paris).
O fenômeno da duplicidade online não vem só de influenciadores, ele tá no nosso próprio feed também.
Em 2018, conversei com centenas de pessoas pelo meu próprio Instagram, lancei uma enquete e quis tentar entender de onde vem essa necessidade de compartilhar o perfeito. Embora o medidor do quanto as pessoas passam dos limites nas redes sociais aparecesse com uma média bem alta, 98% alegou preferir perfis que se mostram real no bem e no mal enquanto apenas 2% escolheu quem projeta sempre sua versão melhorada e mais perfeita possível.
Nas conversas individuais, a discussão foi mais intensa. Estamos querendo apenas saciar o ego em troca da recompensa fácil das redes sociais, em processo neurofisiológico de uma droga barata e acessível? Ou existe algo maior por trás? Com o desapego crescente pelo número de seguidores ou de likes e a vontade de usar o aplicativo motivada pela real conversa que rola muito mais no inbox, qual era a minha dificuldade em expor as próprias falhas naquela época? (Digo naquela época porque hoje viralizo no TikTok explorando meus problemas psicológicos.)
Muito mais que o discurso palatável e digerível de que millennials e GenZ são viciados em likes, talvez exista uma profunda dor da vergonha de falhar em volta do meio que você ama. O quanto é mais difícil admitir erro para quem a gente admira? Considerando que a maior parte das pessoas respondeu na minha pseudopesquisa de 5 anos atrás que usava o aplicativo principalmente em busca de conteúdo sobre a vida dos amigos, a familiaridade e a proximidade dos relacionamentos misturada à perda de privacidade pode transformar qualquer 15 minutos de infâmia (mesmo que imaginada por pensamentos paranóicos e ansiosos) em um espetáculo.
Hoje - ou melhor, ontem, quando subi as enquetes nos stories - o resultado foi um pouco diferente. Perguntei qual é o tipo de vulnerabilidade esperada de quem a gente segue e, entre algumas centenas de pessoas, só 4% votou “chorar tem a vida real, quero conto de fadas” e 43% escolheu “100% real, choro e gritaria”. Quem venceu foi uma terceira opção: uma curadoria leve de momentos da nossa existência, um morde e assopra, um mostra e esconde, quase um joguinho de sedução. Sim, o dia a dia virou uma exibição e nós somos os curadores artísticos da nossa vida.
Em conteúdo, a vida de amigos e familiares foi o interesse de 8%, a vida alheia de influenciadores recebeu 9% dos votos e os 83% restantes foram para informações e dicas úteis sobre temas de interesse. Talvez o diagnóstico seja outro: em momentos de desilusão social, dentro ou fora da internet, o conteúdo passa a exercer um papel bem mais utilitário.
Mas minha dúvida continua. Pra você, uma crise depressiva dissecada via stories é melhor que uma foto sorrindo no feed enquanto o mundo está caindo?
Pra mim, quando o Instagram chegou, ele seria a versão online do álbum de fotos. Acho que ninguém tinha expectativa de que o álbum em cima da mesa de centro na casa de um amigo fosse mais do que um conjunto de lembretes de bons momentos e conquistas. Talvez você escrevesse numa carta para alguém sobre uma experiência ruim, mas não tiraria uma foto. Fico encafifada me perguntando quando e como isso mudou... tenho algumas ideias, claro.
E sim, hoje, crise depressiva no Stories a não ser que haja amor, aí sim eu quero sorrisos no feed.
deus me livre viver de extremos. sou mais o time "morde e assopra".