alcateia #16, você já invadiu casas de celebridades?
Se Andy Warhol buscou seus 15 minutos de fama, o que dizer de adolescentes que sonhavam com o mesmo e, não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram?
Não sei bem quando começamos coletivamente a perceber Andy Warhol como um vampiro do mundo das artes (Edie Sedgwick, te amo), mas no meio das páginas desenhadas de caderno, das aulas de História da Arte em manhãs quentes e dos coros de idolatria, minha admiração sobreviveu, e cheguei na exposição no Whitney Museum servindo de uma guia com apenas o mínimo necessário para a função. A língua afiada e sarcástica de seus diários - e da sua arte, do nome do seu ateliê - às vezes enuviava o fato de ser ele mesmo vítima da própria crítica.
Se Andy Warhol buscou seus 15 minutos de fama, o que dizer de adolescentes que sonhavam com o mesmo e, não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram? Roubaram a casa de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan, levando roupas, bolsas, joias, grana e, no caso de Paris, uma cocaína de primeira. O que seria Bling Ring que não a personificação do espírito empreendedor?
Nick Prugo foi quem deu voz ao caso, e sua narrativa para a polícia rapidamente se tornou a oficial. Quando conversamos, o sotaque típico de L.A. e do Valley inundaram o telefone, em um tom de voz meio divertido e arrogante que se assemelha e muito ao que ele diz no documentário da Netflix que saiu em 2022. Mas de volta para 2012: invadir as casas de celebridades era o caminho para que eles se sentissem como elas, estando em suas casas, vestindo suas roupas. Não uma réplica, uma roupa igual comprada em uma loja qualquer: suas roupas.
E foi fácil, afinal ninguém se importa tanto com segurança em um lugar tão rico - e, por consequência ilusória, naturalmente seguro. A primeira tentativa foi a casa de Paris porque, segundo eles, “ela parecia ser burra a ponto de deixar a porta destrancada”. Lá encontraram notas amassadas de 50, 100 dólares, como se Paris tivesse saído para passear e aquele era o trocado - que rendeu $1800 para cada um. Mas os roubos não eram pelo dinheiro: eram pelo estilo de vida.
Quem primeiro levou a história a público foi a jornalista Nancy Jo Sales, em uma reportagem para a revista Vanity Fair intitulada “Os suspeitos usavam Louboutins”. Dá pra inferir algumas coisas desse título: a importância do estilo de vida, mostrado ao citar um sapatos mais caros do mundo, e o fato de que é daí que vem o sensacionalismo. A entrevistada é Alexis Neiers, agora Haines, que participou de apenas um dos roubos e se tornou o rosto da quadrilha que cometeu diversas invasões. Faz sentido: já era conhecida da televisão pelo reality show Pretty Wild, que foi ao ar durante os procedimentos jurídicos, e tinha a aparência que valia dezenas de notícias.
É no livro que surgiu dessa reportagem que Nancy Jo aprofunda a reflexão sobre essa geração que, para ela, é completamente perdida e alienada. Interessante pensar o quanto a autora fez parte desse circo midiático, trazendo alguns holofotes para si, e inserindo julgamentos pessoais: o sofrimento, as intenções, o caráter de cada um dos envolvidos, reduzindo o fenômeno a “como esses jovens chegavam a esse nível de delinquência para se aproximar dos famosos que idolatravam”. E aí vem mais uma ironia: no livro, a jornalista agradece ao pai, “sobretudo por me ensinar a trabalhar duro (e a não roubar casas)”, enquanto sua pequena biografia na orelha do livro é recheada de nomes de celebridades colocados ali como validação automática, com o mesmo olhar de admiração pelo status que os “delinquentes” tiveram.
Alguém lembra daquela frase de O Grande Gatsby ao ler isso? “Sempre que tiver vontade de criticar alguém, lembre-se de que ninguém teve os privilégios que você teve”. Porque então o livro virou filme, dirigido por Sofia Coppola e trazendo Emma Watson no papel da alterego de Alexis. “Toda a ideia em torno do narcisismo e dos reality shows e da obsessão com as redes sociais, tudo pelo qual os jovens dessa geração se mostram obcecados e do modo como são mimados me atraiu para história”, fala Sofia. A grande ironia é que a diretora nasceu em berço de ouro: uma de suas primeiras lembranças é de estar sentada no colo de gente como Andy Warhol, Marlon Brando e Steven Spielberg. Aos 15 anos, fascinada por moda, teve todas as portas abertas para estagiar na Chanel. Como poderia ela sentir qualquer empatia se a ânsia motivadora do Bling Ring era justamente a falta de tudo que ela tinha? Como alguém que tem tudo pensa na falta?
Para Nancy Jo, “Sofia também nutria algumas das aspirações daqueles jovens - a diferença, é claro, é que ela era o artigo legítimo, a it girl que eles desejavam ser”. Será que há um ar de justificativa, como se no caso de Sofia fosse tudo bem? Do topo de seu mundo de privilégios, Sofia se chocava com a maneira como aqueles jovens “falavam sobre o que fizeram, como se fossem estrelas”. Curiosamente, é ela mesma que se porta como estrela, parte do grupo seleto que impõe seu estilo de vida como condição sem a qual a felicidade é impossível de ser conseguida - e ela mesma que julga os jovens que levavam às últimas consequências os desejos e lições que aprendiam dessas camadas mais ricas.
“A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. (...) Não é somente pela sua hegemonia econômica que a sociedade portadora do espetáculo domina as regiões subdesenvolvidas. Domina-as enquanto sociedade do espetáculo. Lá onde a base material ainda está ausente, a sociedade moderna já invadiu espetacularmente a superfície social de cada continente. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside sua constituição”, explica Guy Debord em “A sociedade do espetáculo”. Ainda assim, Paris Hilton e seus milhões – acumulados graças à concentração de renda aplaudida de pé pelo nosso capitalismo às custas da fome e da morte de outros – chocam menos do que os roubos de ricos cometidos por meia dúzia de adolescentes.
- no próximo capítulo…
• Quando sentei pra conversar com Nick Prugo, ele tinha recém saído da prisão, e me explicou: “Foi a melhor coisa que aconteceu comigo.”
• Em uma das reportagens do TMZ, está o comentário: “Toma essa, Hollywood! Esses Robin Hoods modernos serão todos considerados inocentes e libertados para chicotear aqueles que pisaram nos camponeses como nós. São todos heróis!”
• Alexis Neiers está sóbria há mais de uma década (a gata usou todas as drogas de todas as formas possíveis por anos) e atualmente fala sobre autodesenvolvimento e espiritualidade de uma forma interessante.
Gente, você entrevistou o Nick Prugo? Quero saber. E não sabia que tinha rolado doc, quero ver!