alcateia #17, o que choca mais: centralização de renda ou roubo de ricos?
“Não, não mesmo. Eu não me importo de contar a história”, Nick Prugo me falou. “Eu gosto de tirar as coisas a limpo e ser honesto.”
se você não leu o texto anterior, aqui alguns destaques:
• Se Andy Warhol buscou seus 15 minutos de fama, o que dizer de adolescentes que sonhavam com o mesmo e, não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram?
• Alguém lembra daquela frase de O Grande Gatsby? “Sempre que tiver vontade de criticar alguém, lembre-se de que ninguém teve os privilégios que você teve.”
• “Toda a ideia em torno do narcisismo e dos reality shows e da obsessão com as redes sociais, tudo pelo qual os jovens dessa geração se mostram obcecados e do modo como são mimados me atraiu para história”, fala Sofia Coppola.
de volta: o que choca mais: centralização de renda ou roubo de ricos?
O começo dos meses há quase 20 anos me traziam uma alegria indiscutível: era quando a edição nova da VOGUE chegava às bancas e, por consequência, à minha casa. Devorava aos poucos, saboreava, com medo de que acabasse rápido demais. Uma das seções trazia várias páginas e detalhava a vida de socialites, jet setters, mulheres que nasceram com tudo e fizeram do mundo seu playground. Na primeira vez que pisei no finado Bar Secreto, me senti como uma vencedora: estava no hotspot indicado pela VOGUE em uma de suas edições. Mas eu nunca seria uma dessas mulheres - não nasci herdeira, não estagiei em Paris com 18 anos, não viajei o mundo antes dos 20, e minha coleção de Chanel nunca chegou. Tudo bem, acontece. Eu aceitei.
Existe um outro lado, em que essa cultura da idolatria do que nunca alcançaremos se manifesta na forma de inveja, cópia, obsessão e forte sensação de vazio que só pode ser preenchido seguindo a receita de ser linda, magra, rica, onde qualquer apropriação material é o único caminho para felicidade e plenitude emocional ou espiritual. Na época do Bling Ring, herdeiras de linhagens finas, grandes estrelas culturais e nomes que são quase um título real (alô, nepobabies) não eram mais os únicos iluminados pelos holofotes e flashes de câmera.
A verdade é que um novo tipo de estrelas estava surgindo: gente que era famosa por ser famosa, como Paris Hilton, Kim Kardashian e Lindsay Lohan - a gente lembra dela por causa dos filmes ou fofocas? Não há dúvidas de que a presença dos artistas nas redes sociais contribuiu para a ilusão de proximidade entre fã e ídolo - e essas mesmas redes, atualmente, concedem fama a pessoas comuns. De uma forma ou de outra, a noção de celebridade atinge novos níveis de realidade em nossos dias e a fama, mais do que nunca, realmente está ao alcance (e no desejo) de todos.
Corta pra dez anos atrás: sentei pra conversar com Nick Prugo, voz do Bling Ring, que tinha recebido uma oferta para ter seu próprio reality show - e que, hoje sabemos, não se realizou. “Eu adoro receber mensagens dos meus fãs no Brasil”, ele fala. “É sério, você tem que me citar dizendo isso, eu adoro brasileiros!” Mas a promessa do reality show mostra o quanto ainda estava em evidência, com público seguidor, e o mesmo era real para outros participantes da quadrilha. O lançamento do filme também alçou os jovens a uma quase fama.
Nick Prugo disse que “não via maldade naquilo. Não estava ali roubando, digamos, algum cidadão trabalhador”. Ele havia recém saído da prisão, e me explicou: “Foi a melhor coisa que aconteceu comigo, eu tava muito deprimido e estressado… Aprendi muito por ter sido punido. Acho ruim que nem todo mundo precisou passar tempo na cadeia, porque muitas pessoas envolvidas no caso saíram sem aprender nada”.
A lição pra mim é outra. Paris Hilton e seus milhões - acumulados graças à concentração de renda aplaudida de pé pelo nosso capitalismo às custas da fome e da morte de outros - se coloca no papel de vítima e declara ao TMZ que “esse bando de marginais imundos” deveria ficar dez anos na cadeia. Porque de alguma forma o que impressiona a maior parte das pessoas é o fato de jovens roubarem milhões de celebridades, e nunca o fato de essas celebridades terem tanto que essa quantidade inacreditável de furtos passou despercebida por muito tempo. O que me choca é que a lição que Nancy Jo deixa é que obscenos são só os roubos, e não o fato de Paris Hilton ter uma réplica de sua mansão em uma miniatura de 100m² para seus cachorros - que vivem de comer e soltar seus excrementos no seu canil de 325 mil dólares, mobiliado por Philippe Starck.
Mas existe o outro lado, de quem também entende aquele sentimento de ânsia e desejo, em que o Bling era amado. Riam com a burrice da Paris Hilton, que deixava a chave embaixo do tapete, invalidavam toda a condenação sutil que Sofia Coppola nos trouxe em sua evolução da história e sequências de cenas irônicas como a que Emma nos encara para declarar o desejo de roubar e, em seguida, nos implora perdão alegando ignorância. Aliás, a ironia: viralizou um vídeo de sua filha contando que está de castigo porque tentou alugar um helicóptero no cartão de crédito do pai para jantar com uma amiga.
Simpatizamos, compreendemos e nos apegamos aos personagens? Na seção de comentários de uma das reportagens do TMZ, é possível ler a seguinte opinião: “Toma essa, Hollywood! Espero que vocês tenham aproveitado bem seus dias ao sol... Esses Robin Hoods modernos serão todos considerados inocentes e libertados para chicotear aqueles que pisaram nos camponeses como nós. São todos heróis!”
De todos os integrantes, é Alexis Haines - ex-Neiers - quem me chama atenção. Seu arco é impressionante: condenada em 2010, cumpriu 6 meses de pena por ter invadido a casa de Orlando Bloom, único dos crimes da quadrilha que ela esteve presente. Foi presa novamente em 2011 por porte de heroína, com um vício tão absurdo que a levou a morar na rua por períodos e a mendigar. A sentença dada pelo juiz foi de ingressão em um programa completo e internado de reabilitação. Alexis está sóbria desde então, e sua jornada traz questionamentos de privilégios, posicionamento político e trabalho para desenvolvimento psicológico das pessoas - via atendimentos particulares, atividade em centros de reabilitação e acompanhamento de parto. Seu podcast com mais de 150 episódios traz entrevistas, narrativas e debates sobre vício, sexo, prisão, saúde mental, sexualidade, política, dinâmicas familiares… e é muito interessante de se ouvir.
No documentário da Netflix sobre o caso, que saiu no fim do ano passado, é curioso ver o embate de personalidades. Alexis se porta de forma séria, refletida, madura. Nick ainda parece se divertir com tudo. Há 10 anos, perguntei se ele tinha alguma noção de quantas vezes já tinha sido entrevistado sobre o caso. “Inúmeras”, ele ri. “De várias formas, pra TV, jornais, por telefone…” Você não cansa?, insisti. “Não, não mesmo. Eu não me importo de contar a história”, ele falou. “Eu gosto de tirar as coisas a limpo e ser honesto.”
Tem alguma pergunta que você não gostaria de responder? “Não”, declara. E repete: “Eu gosto de ser honesto”.