alcateia #14, por que vídeos de dancinha são os vilões da internet?
As discussões acerca do momento tecnológico e cultural são relevantes sim, mas vilanizar um único aspecto e selecionar um único culpado é, na minha pouco valiosa opinião, imaturo.
Eis que o grande vilão da internet hoje são os vídeos de dancinhas. Sinônimo de conteúdo de baixa qualidade e alta inutilidade, a alcunha parece representar tudo que há de errado no mundo conectado. O discurso alega que a morte lenta da autenticidade começou na primeira selfie e agora se consolida no TikTok.
Sim, a Jia Tolentino escreveu sobre o “rosto do Instagram” e sobre como as redes sociais criam uma falsa ideia de beleza impossível. Mas, no começo do século XX, a estética almejada era quase parecer doente, e mulheres chegavam a beber vinagre para simular um palidez que não se conquistava de forma natural. A tecnologia e os algoritmos são racistas mesmo - alguém lembra toda a história do Twitter ou aquele episódio de Explicando da Vox? Mas a escravidão foi sustentada por séculos e o mito da supremacia branca encontra messias há muito tempo. A nossa conexão interpessoal teoricamente diminuiu e vivemos olhando para a tela do celular. Mas daí tem aquela foto da galera encarando o jornal. Não sabemos mais o que é real. Mas a discussão teórica e filosófica sobre a existência e a realidade é tão antiga e impressa no nosso subconsciente que “penso, logo existo” e “ser ou não ser, eis a questão”, para citar alguns exemplos, são quase ditados populares. Então será que as redes sociais e a internet são vilãs ou são sintomas de algo muito mais profundo?
Eu tenho minha reflexão pessoal: ignorar as instituições estruturais sobre as quais a internet foi construída e apagar o impacto histórico é reproduzir uma cegueira sobre os problemas difíceis - e, para brincar com a ideia, reais. Não que as discussões acerca do momento tecnológico e cultural não sejam relevantes - pelo contrário - mas vilanizar um único aspecto e selecionar um único culpado é, na minha pouco valiosa opinião, imaturo.
E, se o algoritmo nos domina e o feed pessoal tão criticado por pseudointelectuais é composto de conteúdos inúteis, o que isso diz sobre *eles*? Deixa eu trazer um flex (gíria Gen Z que aprendi no TikTok e significa algo sobre o que você pode se exibir): minha For You do TikTok é quase vazia de vídeos de dancinha (nada contra), e é composta por biofísicas, astrônomas, químicas, historiadoras, especialistas em arte, críticas culturais - tudo isso misturado a conteúdos (teoricamente fúteis) de entretenimento puro. Então assim, será que a culpa é mesmo das redes sociais? E mais: será que a busca pela futilidade como forma de espairecer nessa *realidade* em que burnout é quase rito de passagem é culpa das redes sociais ou do nosso mundo cada vez mais opressor e ansiogênico?
É tão, tão fácil ridicularizar quem faz conteúdo julgado como bobo. Os tais vídeos de dancinhas. As dicas de maquiagem. As histórias pessoais sobre relacionamentos, sexo e problemas mentais. Opa, será que tem algo em comum? Ah, é: uma coisa que percebo é que os principais rótulos negativos se destinam a categorias de vídeos produzidos por e para mulheres. Somos nós que tomamos o lugar de alvo mais uma vez. Dá até pra falar que homens também se gravam repetindo coreografias, mas aqui entre nós, em quem você pensa quando falam “vídeo de dancinha”? Acho que dá pra apostar que é em uma adolescente mulher, né? Acertei? Não era difícil, as probabilidades são altas mesmo.
Mas tem mais: como fala aquela frase de Theodore Roosevelt a qual Brené Brown sempre gosta de referenciar, “Não é o crítico que importa; nem aquele que aponta onde foi que o homem tropeçou ou como o autor das façanhas poderia ter feito melhor. O crédito pertence ao homem que está por inteiro na arena da vida, cujo rosto está manchado de poeira, suor e sangue.” Por que é tão legal tirar sarro de quem se dispõe a se expor?
Esse é um texto um pouco amargurado. Como bebê do Tumblr, o TikTok é o novo lugar em que me sinto em casa. Tudo bem se você acha que tudo é besteira, eu mesma não descarto essa possibilidade. Mas, na minha (de novo) pouco valiosa opinião, existe muito de rico na crítica à cultura da internet - e muito de pobre também. Até porque criticar a busca pela viralização tem muito mais potencial de viralizar, né?
E você, ama ou odeia vídeos de dancinhas?
Adorei a reflexão! Não sei se já leu, mas gostei bastante e recomendo os livros "O Instagram está padronizando os rostos?", da Camila Cintra, e o genial "Políticas da imagem: Vigilância e resistência na dadosfera", da Giselle Beiguelman. Beijos
Simplesmente foda! Adorei a reflexão que você trouxe, especialmente o recorte sobre o machismo e o racismo que estruturam a nossa sociedade e que pautam muito daquilo o que a internet tem a tendência de valorizar. É muito importante sair da superficialidade das análises sobre conteúdo nas redes sociais e você fez isso de uma maneira brilhante, vou total contigo na ideia de que é muito fácil criticar o bobo só pra viralizar, afinal o hate também dá engajamento.
Obrigada por compartilhar as ideias e mal posso esperar para as próximos textos <3