alcateia #39, como você está?
Se tornar ou acolher refugiados climáticos vai ser a regra daqui pra frente, porque todos vão passar por isso. Que haja empatia e generosidade, que falhem a ganância e o negacionismo.
Quando eu era pequena, tinha muito medo de placas tectônicas. Os filmes de vulcões e terremotos me faziam estudar os mapas do mundo para descobrir em quais cidades poderia morar. Tinha menos de dez anos e carregava uma memória medrosa de quais cidades teriam a menor possibilidade de receber catástrofes.
Desde a adolescência, crio planos de evacuação em casos de incêndio. Entro em qualquer lugar procurando a saída de emergências. A verdade é que a catástrofe sempre vai nos encontrar, em um momento ou em outro. No mundo, sempre vai ter um desespero em acontecimento em algum lugar. Chegou aqui.
Tive câncer cinco vezes. Vivi em camas de hospitais por meses, tendo veneno entrando nas veias na esperança de cura. A primeira vez que temi pela minha integridade física foi na última semana. E a tragédia nem foi comigo. Saí do estado quando pude, estou protegida com minha família e meus gatos.
Na mitologia grega, existe uma das figuras que mais me traz curiosidade, e que Ana Rusche evocou para o momento. Cassandra ganhou o dom da profecia por um Apolo apaixonado que, ao ser rejeitado, lançou uma maldição: ninguém iria acreditar em suas predições. Ela previu o desastre de Tróia antes que acontecesse e, se a tivessem ouvido, ele teria sido prevenido ou pelo menos drasticamente minimizado. Aqui, nossas Cassandras são os cientistas, os ativistas climáticos e a própria história.
Dados da Agência Brasil: entre 2013 e 2022, desastres naturais como tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos atingiram 5.199 municípios brasileiros de 5.570 (93% do total), afetaram a vida de mais de 4,2 milhões de pessoas, e mais de 2,2 milhões de moradias foram danificadas, sendo que 107.413 foram totalmente destruídas. O prejuízo em todo o país de danos em habitação, nesse período de dez anos, ultrapassa R$ 26 bilhões.
A comparação atual é que a catástrofe do estado gaúcho é maior que o furacão Katrina. Não vou trazer fotos ou relatos que mostrem a dimensão da tragédia - quem me lê por aqui já sabe, já viu. Mas trago sugestões de ação. A Obvious, empresa onde trabalho, além de estar ajudando os funcionários do sul e fazendo muitas coisas nos bastidores, vem usando sua plataforma com estratégias constantes de conscientização. Aqui tem um guia sobre o que pode ser feito além de doações em dinheiro - e também um guia de para onde doar dinheiro caso você possa. A Todavia Livros organizou iniciativas do mercado editorial para esse momento.
Não sei se concordo com Mario Quintana que é absolutamente desnecessário fazer poemas, mas acho que é bem mais difícil. A inspiração anda infértil por aqui, e a vontade de escrever também estremeceu. Tem só uma coisa ecoando na minha cabeça: se tornar ou acolher refugiados climáticos vai ser a regra daqui pra frente, porque todos vão (vamos) passar por isso. Que haja empatia e generosidade, que falhem a ganância, o negacionismo e a negligência.
Na simplicidade profunda do texto a implicaçao de todos nós na responsabilidade do cenario climatico que vivemos. Faço eco daqui: - Que haja empatia e generosidade, que falhem a ganancia, o negacionismo e a negligencia!
Adorei o seu ponto, tão simples e poderoso: o de que todos nos tornaremos refugiados climáticos. Obrigada ❤️